sexta-feira, 19 de junho de 2009

a saga de um héroi se inicia (continuação)

Não estava tão certo se exigiria o pagamento, na verdade. Vamos com calma, que tenho miolos; essa era apenas uma das tendências do maremoto que me atordoava naquele momento: o dragão desejante, tenebroso e impiedoso, que não estava de todo acordado; melhor, que ainda estava longe de tomar o controle. Preciso dizer que a racionalidade em mim não tira folga e, em sua pretensão, não teme o risco constante que a ameaça de ser despedida. O que acontecera, realmente, naquele roçar de lábios, foi que eu me lembrara, entre uma sombra e outra de pensamento, que era homem e que tinha hormônios, para não dizer coisa pior. Nada além; mas já era absurdamente suficiente para me sentir apavorado.

Debaixo de nossa arrogância, de nossa futilidade, de nossa auto-suficiência, estamos pedindo socorro, em desespero velado, por companhia. Eu, diante de todas as dificuldades que conheci no convívio, não esquecia nem por um instante, ao tocá-la, que era só mais um homem que, como todos os outros, precisava angustiadamente de alguém com calor. Essa necessidade tão estampada na minha cara, eu reconhecia nela e, quem sabe por isso, me permitia desejá-la. Quem sabe por isso deixava que ela, em toda sua coragem incerta e, desse modo, atraente, me beijasse o pescoço, enquanto atrevia-se a desvendar meu peito.

Assombrado de encanto, frente a frente com um ser que vencera os medos possíveis da aproximação, eu me via conduzido quase que instintivamente a uma dança de movimentos ardentes. Admirado com sua força estava eu, que adorava a coragem, que a tinha como conselheira, mas que me mostrara até então apático para simplesmente fazer o que eu sabia por certo no campo das idéias: amá-la. Preferia esconder-me, ao invés, em minhas “sofisticadas” conjecturas sobre o que há de enganoso e problemático no que sentia. E me rendia maravilhado às minhas análises iluminadas sobre como os relacionamentos na atualidade estão corrompidos, como são cada vez mais utilitaristas, egocêntricos, possessivos. Entregando-me à veemência daquela mulher e à sua alegria enérgica em me mostrar que ainda tinha muito que aprender; eu me perguntava, em matéria de amor, de que servem as simplificações do raciocínio. E pedia que, pelo amor de deus, se calessem as palavras, que se dizimassem as teorias em minha cabeça, e que a única coisa que me tomasse fosse a pujança do sentimento, que me trazia a vida de maneira inegável e que eu nunca soubera descrever.

Já convencido do feitiço que me acometeria, com mãos trêmulas, acariciei-a... na barriga, nos braços, nos ombros. Torcia para que ela lesse nos meus olhos que a amava; não do modo tolo e egoísta dos românticos, e sim de um jeito de gostar que se compromete em aceitar, respeitar os segredos, sem cobrança, e, no que fosse possível, sem penhorar a alma, zelar pela felicidade do outro. Eu esperava que ela entendesse e não me exigisse nada, que nossa alegria não se convertesse em mágoas, que ela, assim como eu, soubesse aproveitar aquele momento acalorado e, satisfeita, me valorizasse pela beleza eterna dos acontecimentos efêmeros. Que a expectativa não a cegasse para não perceber o que somos e fazemos no presente permanecem em nós, seja na memória, seja nessa complexidade que é a personalidade; e principalmente torcia para que o carinho e o interesse permanecessem gratuitos e sem condicionantes.

A cada beijo que dava temia por ela e por mim. Meu olhar congelado na lua ao longe transparecia minha angústia: meu temor que fôssemos conduzidos ao ódio, para onde parecem caminhar todas as relações. Meus olhos transtornados buscaram os dela ansiando por alívio. Ela, em toda sua serenidade, limitou-se a segurar-me o rosto com as pontas dos dedos e beijar-me a boca delicadamente. Talvez não precisássemos mesmo de palavras, me bastava seu silêncio compreensivo e seus lábios a me dizer mudos “não se preocupe”.

Seu rosto, ou melhor, seus olhos, belos e brilhantes como nunca, levaram-me a lançar minha boca ferozmente sobre a sua. Tive vontade de dizer com palavras o tesão que sentia, de gritar o tanto que havia a desejado. Era forte demais para me manter são. Passava das oito da noite, as salas e os corredores estavam em grande parte vazios. Nos refugiamos numa delas aos beijos. A sala, em penumbra, afrouxava qualquer embaraço. Conduzi-a mesa, enquanto ela se empenhava em tirar minha camisa. Suas unhas varreram com força meu corpo, e seu olhar permanecia vidrado nos detalhes. Contornava meus mamilos com uma expressão maravilhada de desejo. Eu abria e fechava os olhos, esforçando-me para guardar aquele momento na memória.

Beijei-a os ombros, sentindo suas mãos firmes em minhas costas, e iniciei o desvelo sagrado de seu peito. Eu estava extático de arrebatamento. E encarando-a, decidi molhar o caminho labiríntico do pescoço à ponta dos seios com os lábios, num ritmo insano. Nesse jogo, minhas mãos, sempre imperdoáveis, examinavam suas coxas aos poucos, ganhando terreno com seus sussuros e gemidos; infiltrando-se. Eu queria ler com a pele seu sexo, enquanto sentia tão intensos o gosto e a textura do seu seio. Não encontro palavras para descrever seu rosto naquele momento; era sublime, mágico. Algo que se vê raramente na vida. Diante do que via, eu era capaz de acreditar em qualquer coisa. Eu era otimista.

Sua voracidade, em mãos desequilibradas a desabotoar-me a calça, suspendia o tempo ao nosso redor. Despi-me. Captei suas mãos errantes e as depositei no que buscavam, deixando que o perscrutasse sem demora em toda sua curiosidade e ânsia. Eu tocava-a. Beijava-a. Tirei sua roupa lentamente, olhando-a nos olhos. E a penetrei com desespero, enquanto ela me puxava para si. Eu era seu. Nossas investidas se sucederam. Seus sons, gostos, olhares e expressões me pareciam incrivelmente autênticos. Eu estava com uma mulher em minha frente em sua mais original pureza e honestidade. Diluí-me. Perdi-me.

Bruscas investidas enlaçavam-me. Seu olhar convicto, tão resoluto, me aquecia a pele. E foi quando o mirava que a avisei do gozo iminente. Foi também pela força afiada de suas mãos a envolver-me e pela intensificação de seus gemidos que descobri que aquele prazer que recobria meu corpo era compartilhado pela mulher que me proporcionara. Nos beijamos seguidamente e depois ficamos a apreciar calados as últimas contrações, com olhos vidrados um no outro. Nestes instantes únicos, ela me era pela primeira vez transparente, compreensível, tangível.

O medo de sermos apanhados nos fez nos vestir rapidamente. Espiamos pela fresta da porta desconfiados e saímos. Peguei sua mão que permanecia quente e a beijei. Iluminados por uma luz amarelada de um poste, acariciei seu rosto e beijei sua testa com carinho. Ela me sorriu, e ainda mais quando perguntei:

- Você não vai ficar grávida, vai? Eu, com todo o meu amadorismo e avidez, esqueci-me dessa implicação.

- Não, mas vou pegar AIDS por ter transado sem camisinha.

Eu ri satisfeito com seu insulto. Segurei-a nos braços e disse que ainda tínhamos muito o que conversar e fazer. Minha consciência recém-recobrada me fez adverti-la dos riscos de se envolver comigo, de minha insanidade. Ela sorriu-me levemente com ar debochado. Sorri. Busquei meu rumo com a sensação pungente dela em mim. Caminhei uns passos disposto a acatar a decisão sábia de não refletir sobre tudo, de apenas aceitar dessa vez. Entendi que finalmente encontraria sem perturbações o sono naquela noite. Antes de atravessar a rua, olhei para ela subitamente, perguntando:

- Por que o mundo, as forças da natureza, ou sei lá o quê, me fez tão covarde, heim?

- Não sei - ela riu. - Acho que foi para que eu sentisse pena de você.

Atrevida.

2 comentários:

Jack Sorongo disse...

para ler escutando "ma mémoire sale".

Luísa Astori disse...

jack, muito bom o seu causo. não fiquei excitada, com vontade de sair transando por aí, mas o senti profundamente. eu, luísa, fui jack enquanto lia a história.ot